domingo, 31 de março de 2019

Sim, senhor!

As decisões recentes em relação a política externa colocam em relevância a teoria de Florestan Fernandes presente em “A Revolução Burguesa no Brasil”, publicado pela primeira vez em 1975. O sociólogo, resgatando a nossa trajetória histórica desde a abolição da escravidão, em 1888, e a proclamação da nossa República, em 1889, aponta para um país cujo o seu desenvolvimento econômico ocorreu a partir de uma orientação periférica na ordem global.

Essa constatação empírica se mostra evidente na atualidade quando se analisa, por exemplo, a exportação cafeeira. Embora o nosso país lidere o volume de colheita e de exportações do grão verde, na hora de faturar com o commodity aparece a Alemanha (maior entreposto de grãos verdes de café do mundo). São eles que aparecem em segundo entre os responsáveis pela importação do café brasileiro. A Itália vem em seguida. É outra que também fatura com o commodity numa espécie de terceirização do ganho.

A constatação de um capitalismo periférico se percebe com o fato de que boa parte da importação dos grãos brasileiros pela Alemanha é revendida para outros países europeus e com valor bem superior. Poucos produtores brasileiros conseguem levar a sua marca para os consumidores da Europa. Alguns apontam a capacidade logística dos alemães como fator fundamental, o que também é verdade. Mas, sem querer entrar nos pormenores desse tipo de negócio, a intenção é exemplificar essa característica periférica da economia brasileira.   

A sociologia do vira-lata

As razões que nos levam a essa condição são, em parte, explicadas na obra de Florestan Fernandes. Mas as razões que nos mantém “presos” a essa ordem secundária têm recebido novas contribuições para interpretação. Embutir uma mentalidade de inferioridade numa sociologia do vira-lata ao longo do último século parece ter sido elemento fundamental, segundo o sociólogo Jessé de Souza, em seu polêmico livro “A elite do atraso”, publicado em 2017.

A charge ironiza relação de governo Bolsonaro com o de Trump (Imagem: Reprodução/Catraca Livre)



O fato é que essa germinação de ideias produziu frutos e chegaram ao poder. O atual governo tem mostrado a sua vitalidade para a subserviência ao imperialismo norte-americano numa ideologização chula, sem contrapesos. A entrada no Brasil de cidadãos dos Estados Unidos, da Austrália, do Canadá e do Japão sem a necessidade de visto, medida decretada pelo presidente Jair Bolsonaro de forma unilateral (ou seja, sem a contrapartida desses países), é tão somente um ato que simboliza a mentalidade periférica que guia o centro do governo. Essa semana o Congresso se mobilizará para derrubar o decreto, mas não retirará o simbolismo servil do atual governo.

O conjunto de medidas já anunciadas (uso comercial do centro de lançamento espacial de Alcântara, no Maranhão, sem acesso a tecnologia estadunidense, por exemplo) ou ensaiadas pelo governo brasileiro aponta para uma política externa conduzida por acordos unilaterais em contraposição a multilateralidade, que colocava o país numa posição de maior protagonismo – ainda que diante de suas limitações enquanto força econômica e política – no contexto internacional.  

No retrovisor

Ao se apegar a um retrogradismo, o governo brasileiro abraça lutas inexistentes e tentar exorcizar fantasmas do passado. A guerra comercial entre Estados Unidos e China em nada tem a ver com os tempos de Guerra Fria. Como disse o jornalista Clovis Rossi, em seu artigo na Folha de S. Paulo no último dia 21 de março, a China, ao contrário da antiga União Soviética, não quer vender o comunismo ao mundo e sim fazer negócios.

Mais um capítulo dessa mentalidade servil poderá ser vista, em breve, com a tese lançada por Washington de que é preciso barrar o avanço da Huawei, a empresa chinesa líder no 5G, a nova fronteira da tecnologia da informação. O perigo vendido por Washington é que os chineses usarão seu sistema 5G como cavalo de Troia, pirateando informações sensíveis dos países que utilizarem sua tecnologia. Reino Unido, Alemanha, Índia e Emirados Árabes dão sinais que não comprarão a versão. Em relação ao governo brasileiro, que ainda vê fantasmas vermelhos em cada esquina, não me parece uma tarefa difícil deduzir uma resposta.

Se, no passado, muitos acreditavam numa hegemonia norte-americana diante do fim da polarização com a União Soviética, o que se viu com a globalização foi a ascensão de outros mercados dentro da lógica capitalista. A China foi capaz de se organizar dentro do jogo do capital para uma crescente polarização dentro das regras capitalistas – essa construção ainda está em curso.

Mas, enquanto os monstros do passado são alimentados, ganha fôlego um projeto de pouco autonomia e alinhamento incondicional a um dos lados da disputa capitalista. Com o risco, inclusive, de se aventurar em apoio logístico a empreitadas militares. O governo cumpre à risca a sua missão servil reforçando a cultura do “vira-lata” sem, ao menos, buscar contrapesos para explicar a sua escolha que não é pragmática.



Artigo publicado originalmente no portal de notícia Alfenas Hoje

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O papel do jornalismo em um cenário fluído

A sociedade pós-industrial, marcada por um caráter fluído das relações, tem provocado uma reflexão intensa sobre o reposicionamento das instituições e dos diferentes segmentos profissionais. Muito além da discussão sobre o fim ou não de plataformas tradicionais do jornalismo, o próprio papel social da imprensa nesse cenário fluído é alvo de análise.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman estruturou o conceito de modernidade líquida para descrever essa nova sociedade marcada pela fluidez e o aspecto volátil. O parâmetros concretos se diluem, criando novos padrões referenciais. É nesse cenário de incertezas que o jornalismo tenta se reconstruir.


O fortalecimento das redes sociais nos últimos anos tem provocado uma verdadeira revisão do papel da imprensa, ora retirando o seu protagonismo na disseminação da informação, ora colocando em xeque a sua própria legitimidade enquanto agente propagador.

Essa sociedade em rede, como definiu o sociólogo espanhol Manuel Castells, permite um modelo de contestação e de interatividade em que o consumidor de informação passivo deixou de existir. É nesse contexto que o sistema jornalístico linear e centralizado, característico do século XX, deu lugar a um modelo descentralizado de produção noticiosa.

Os desafios da prática

Mas qual é o papel do jornalista profissional e da imprensa diante dessa sociedade líquida? O pesquisador e jornalista Carlos Castilho define o jornalista como um especialista no manejo e contextualização de informações, dados e notícias. Essa definição ajuda a recolocar o profissional de imprensa como referência na divulgação da informação com qualidade e confiabilidade.
Se por um lado o aspecto fluído dessa nova sociedade em rede permite uma generalização da atividade, em que o consumo da informação se dá de formas múltiplas e de fontes amadoras, o processo jornalístico confere confiabilidade reposicionando o jornalismo enquanto elemento referencial para o consumo da informação.

Assim, muito além do perigoso campo do imediatismo, em que se concorre com agentes propagadores da informação a partir da ausência de padrões técnicos e científicos, a adoção dos critérios jornalísticos de apuração e tratamento ético/profissional do fato, em busca da credibilidade, se tornam artifícios fundamentais para a sobrevivência do jornalismo.

 Este artigo foi publicado pelo Observatório da Imprensa. Clique aqui e confira!

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A demissão de Waack e a origem escravocrata

A demissão do jornalista William Waack pelas Organizações Globo expõe mais uma página de uma sociedade mergulhada na sua origem escravocrata, cujo os efeitos têm sido levado à tona não somente em aspectos étnicos-raciais mas também de classes. Entrarei nesse segundo tópico no decorrer deste texto.

Por anos a sociedade brasileira – e também internacional - cultivou e semeou a ideia de uma nação caracterizada pela tolerância racial e pelo convívio harmonioso entre as diferentes origens étnicas. Tal pensamento foi propagado pelo discurso científico da Democracia Racial, de Gilberto Freyre, publicado na célebre obra “Casa-Grande & Senzala”, lançada na década de 30.

"Glamorizada", além da sua real contribuição, a tese serviu para a manutenção de um sistema velado de racismo com origem na colonização e ao comodismo e desencorajamento de qualquer movimento de resistência à realidade. Resultado disso, por exemplo, é a tardia criminalização do racismo somente em 1989 (Lei n˚ 7.716) – bem recente do ponto de vista de nossa trajetória histórica.
O jornalista Willian Waack atuava como âncora do Jornal da Globo

Apesar da contundente desconstrução desse pensamento - de que há uma perspectiva de tolerância racial - pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) ao elaborar a teoria do Mito da Democracia Racial na década de 60, a falsa perspectiva permanece encrustada no imaginários social de boa parcela de nossa sociedade. Exemplo disso é o recorrente argumento da meritocracia quando à discussão é cota racial para acesso às universidades. Mas esse será tema para post futuro.

O episódio Waack é simbólico, embora recorrente. O mundo virtual tem escancarado a efetividade da teoria de Florestan Fernandes com noticiários sobre racismo – ou mesmo por injúria racial – envolvendo famosos ou não famosos. Haja vista o ataque sofrido pela inocente Titi, filha adotiva do ator Bruno Gagliasso e da atriz Giovanna Ewbank. Ou o espancamento do ator negro Diogo Cintra, no Terminal Parque Dom Pedro 2˚, em São Paulo.
 
Símbolo da intelectualidade orgânica



A exposição do caso Waack desmascara um símbolo da intelectualidade orgânica a serviço do pensamento liberal. Por conta disso é relevante a discussão em torno da sua simbologia, uma vez que o mesmo consolidou-se como expressão de uma ideologia defendida explicitamente, abandonando a tese da neutralidade na apresentação do noticiário. Foi dessa forma que implantou o seu estilo à frente do Jornal da Globo.

Não se trata de uma relação causal, mas o paralelo entre a intolerância racial e o ideário econômico de classe repousam na origem escravocrata da sociedade brasileira. Nesse segundo, pelo menos, é o que sustenta o sociólogo Jessé Souza em seu novo livro “A Elites do Atraso – Da Escravidão à Lava Jato”, publicado em 2017.

Os problemas enfrentados pelo país não estão na herança portuguesa de um Estado Patrimonialista – discurso dominante até hoje -, mas na origem escravocrata. Para isso, o autor tenta reinterpretar a história do Brasil a partir do zero, como definiu em entrevista à Revista Cult.

Dessa forma, Waack não é um simples caso a mais no histórico deprimente do pensamento racista, mas representante conceitual de uma classe social dominante. Haja vista o papel social atribuído como expressão da intelectualidade orgânica na grande mídia. Por esse conceito entenda a perspectiva teórica do italiano Antonio Gramsci (1891-1937) em relação a hegemonia burguesa.


Outros casos


Waack não foi o primeiro, mas certamente não será o último intelectual orgânico a ter suas “vísceras ideológicas” expostas. Basta lembrar outro respeitado nome da intelectualidade orgânica liberal e não menos agressivos nas suas convicções em detrimento da neutralidade jornalística. Sobre esse aspecto, recomendo a leitura de meu último post.

Me refiro ao jornalista Boris Casoy que, assim como Waack, foi pego, bem à vontade, expressando a sua real visão de mundo, de origem classista e, a partir da leitura de Jessé Souza, de origem elitista e escravocrata. Casoy, na época, desabonou a importância dos garis numa condição hierárquica desprezível, segundo o seu pensamento.

Tal fato lhe rendeu uma condenação judicial para o pagamento de indenização ao gari ofendido. Mas, muito mais evidente, é a exposição de um símbolo da intelectualidade orgânica com a sua real visão de mundo, de origem escravocrata. Waack e Casoy expressam um jeito de perceber o mundo – seja na organização social ou econômica – e, de alguma maneira, validam a tese de Jessé Souza.

Esse artigo foi publicado originalmente no portal de notícias Alfenas Hoje

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A soberania no ralo

Uma fala, exibida em rede nacional no final de novembro, é a síntese de um pensamento e uma prática que, historicamente, se apodera de nossa política. E, que encastelada nos últimos anos, resolveu apresentar-se de maneira explícita, sem o prudente receio de “rasgar” a nossa Constituição Federal.

Vamos ao fato: no dia 21 de novembro de 2016, a edição do Jornal Nacional (TV Globo) trouxe uma reportagem sobre a reunião do presidente Michel Temer (PMDB) com os integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – o chamado “Conselhão”.




A reportagem fecha, como uma espécie de “coroa de flores” sintetizadora da mensagem que se propõe valorizar, com o “conselho” de Nizan Guanaes, empresário do setor de comunicação. Não é por acaso que são reservados 45 segundos a fala do empresário, a qual reproduzo, na íntegra, a seguir:

“Já que o governo ainda não tem índices de popularidade altos, aproveite, presidente. A popularidade é uma jaula. Ninguém faz coisas contundentes com altos níveis de popularidade. Então, aproveite que o senhor ainda não tem altos índices de popularidade e faça coisas impopulares que serão necessárias e que vão desenhar este governo para os próximos anos. Aproveite sua impopularidade. Tome medidas amargas. Aliás, este é o grande desafio das democracias do mundo. Como fazer coisas impopulares?” Confira aqui

Ora, ao desafiar a opinião popular e propor que o poder político seja utilizado como um "trator", o representante das forças econômicas demonstra o mais puro pensamento aristocrático. Expõe o que costuma-se camuflar: o desprezo pela massa e a sua condição de agente ativo no processo democrático. As vozes das ruas devem, agora, ser ignoradas.

O discurso revela inversão de valores à medida que popularidade torna-se “jaula” (nas palavras de Guanaes), elemento restritivo das ações que atendem aos interesses da elite econômica. Nada mais reacionário do que defender a impopularidade como virtude para que se enfrente o desejo da massa – fazendo valer a força se necessário.

A “demonização” de governos populares na América Latina – facilmente tachados como populistas – tornou-se recorrente em parte significativa da mídia hegemônica, reprodutora do pensamento liberal e aristocrático. Se recorrermos a nossa história encontraremos a figura de Getúlio Vargas como ápice desse enfrentamento.

Nem mesmo teorias reducionistas quanto a participação popular são capazes de abrigar, sem margens às contestações, a legitimidade do poder político do atual governo. O sociólogo alemão Joseph Schumpeter, por exemplo, rompeu com a ideia de democracia como soberania popular, reduzindo a participação das massas na política ao ato de produção de governos (resumindo-se ao voto).

É preciso enfatizar os questionamentos quanto a legitimidade do atual governo por parte significativa da sociedade – não somente as correntes ideológicas, mas sobretudo o acolhimento dessa tese por figuras que são ícones no meio jurídico. O ex-ministro Joaquim Barbosa, do STF (Supremo Tribunal Federal), é um dos críticos dessa legitimidade. (Clique aqui e leia)

Não se pretende aqui fechar essa discussão em particular com um raciocínio raso, mas demonstrar que a impopularidade, associada a ausência de um consenso jurídico em meio a "trovoadas" de incertezas, seriam elementos mais que satisfatórios para que o zelo pela democracia prevalecesse e fosse condição indispensável para que a força econômica não atropelasse a soberania popular.

Para além do pensamento do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, para qual a democracia só se efetiva com a participação direta dos cidadãos, a nossa Constituição Federal resguarda, em seu artigo 1˚ (parágrafo único), que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Ou seja, a soberania popular não pode ser apenas instrumento de retórica e extirpada a partir de interesses econômicos classistas e aristocráticos. Em uma democracia, não cabe sobreposição do poder econômico sobre a vontade popular como forma de impor uma verdade que não é absoluta. Se a prática aristocrática sobrepor a soberania popular estaremos, por consequência, rasgando a nossa Constituição.


Este artigo foi publicado no portal de notícias Alfenas Hoje. Confira aqui!

domingo, 1 de janeiro de 2017

Não somos máquinas!

A cobertura jornalística da tragédia aérea ocorrida em Medellín, na Colômbia, no último dia 28/11, trouxe aspectos incomuns, mas enriquecedores – tanto pessoais quanto para análise do ofício. Foram mais de 70 mortos, incluindo a delegação da Chapecoense, tripulantes e vários profissionais da imprensa.
A veiculação jornalística relativa às mortes no Brasil, das mais diversas origens, tem sido recorrente dentro de uma abordagem, muitas vezes, numérica e distanciada da “humanização”. Acostumados a um produto frio – repleto de dados –, os leitores e/ou telespectadores carecem do retorno do jornalismo humanizado, pelo qual as histórias dos personagens enriquecem a notícia e fornecem elementos, além dos dados frios, para uma melhor percepção e interpretação do fato. Isso foi possível no caso em questão, diferente da prática comum no jornalismo contemporâneo.

Só para se ter uma ideia da dimensão dessa triste realidade, em que jornalistas são submetidos por ofício a um contato cotidiano, vejamos os dados estatísticos apresentados pela ONU (Organização das Nações Unidas) em Genebra, na Suíça, em maio deste ano. A taxa de mortes oriundas de acidentes de trânsito no Brasil é de 23,4 para cada 100 mil habitantes. Isso coloca o Brasil na quarta colocação na América, atrás somente de Belize, República Dominicana e Venezuela.
Não obstante, as mortes causadas por homicídios também representam uma parcela significativa do noticiário e, por consequência, ocupam boa parte da rotina profissional dos jornalistas brasileiros. Segundo dados do Atlas da Violência 2016, divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a taxa de homicídios no Brasil chegou a 29,1 mortes por 100 mil habitantes. Pelo menos 59.627 pessoas sofreram homicídio no Brasil em 2014.
Nenhuma morte se sobrepõe a qualquer outra em termos de valor, mas guarda, evidentemente, elementos classificatórios na escala técnica de seleção e priorização da notícia. A simples categorização enquanto acidente aéreo já seria um desses elementos que garante a priorização enquanto fato noticioso.
Entre choros e lágrimas
A cobertura jornalística, sobretudo televisiva, mostrou a dificuldade de vários profissionais em executar a sua missão. O experiente repórter Ari Peixoto não conteve a emoção e chorou durante um link ao vivo no jornal Hoje (TV Globo), exibido no dia 1˚ de dezembro. Dois dias depois, durante a transmissão do funeral na Arena Condá, o repórter esportivo Eric Faria, da TV Globo, também não conteve a emoção.
Outra cena que chamou a atenção foi o abraço dado por dona Ilaídes, que perdeu o filho (o goleiro Danilo) no desastre, no repórter Guido Nunes, do SporTV, durante uma entrevista ao vivo. Outros exemplos seguiram no decorrer da semana, envolvendo Galvão Bueno e Fernanda Gentil, que – mesmos no estúdios – se viram “traídos” pela emoção.
Recorri a todo esse histórico para refletir sobre alguns conceitos que percorrem a atividade jornalística. Entre os quais, a imparcialidade. O sociólogo alemão Max Weber, ao teorizar sobre a prática científica, abordou a questão da neutralidade. Óbvio que não se trata de uma abordagem direta da atividade jornalística, mas produz ensinamentos que nos conduzem para a reflexão da prática em si.
A objetividade como mito
Recorrendo ao historiador Lucien Febvre (1989), e parafraseando-o, é possível lançar a indagação: a cidade da objetividade pode, realmente, vigiar e expulsar, de vez, o cavalo de Tróia da subjetividade? Ou seja, em que medida a nossa construção, enquanto indivíduo, não molda nossos olhares e torna limitada a nossa capacidade plena de isenção diante dos fatos?
A proximidade com as vítimas, seja por laços pessoais ou profissionais, levou, no caso da cobertura do acidente aéreo envolvendo colegas da imprensa, os jornalistas, em alguns momentos, a abandonarem – não no sentido voluntário – a postura impessoal e de isenção. Afinal, não somos máquinas programadas para cumprir o ofício sem qualquer interferência de nossa história de vida, descolados das relações sociais.
A adoção de conceitos como o da objetividade, da neutralidade e da impessoalidade, por meio de técnicas que auxiliam nesse exercício profissional, fazem-se necessários na busca pelo bom jornalismo. Entretanto, não se devem desprezar os elementos da subjetividade da qual somos reféns. Reconhecer a sua existência, negando a ideia de um indivíduo robotizado, é o primeiro passo na busca pela imparcialidade, ainda que esta seja um mito em sua plenitude.
Em termos práticos, o mesmo ensinamento weberiano para a pesquisa científica, separando de forma rigorosa o juízo de fato (o que é) e o juízo de valor (o que deve ser), também vale para o exercício jornalístico. É a partir do reconhecimento dessa tensão que se pode construir um produto final carregado de honestidade em sua produção.
A emoção e o aspecto valorativo na cobertura aqui analisada não invalidaram o trabalho da imprensa televisiva. Pelo contrário, mostrou-se eficiente pela naturalidade, seriedade e honestidade com as quais foi produzida. Afinal, não somos máquinas!
Este artigo foi publicado pelo Observatório da Imprensa. Clique aqui e confira!

domingo, 15 de março de 2015

Manifestações jogam o governo no colo do PMDB


As manifestações nas ruas das principais capitais do País neste domingo tiveram como característica o antigoverno e o antipetismo. Por ora, deixa pelo menos um saldo: o enfraquecimento do governo Dilma Rousseff e a inevitável necessidade de se recompor politicamente.

A presidente Dilma Rousseff saiu de uma eleição apertada. Neste cenário, é natural uma dificuldade maior na governabilidade dado o acirramento ideológico e a “gordura” adquirida pela oposição.

O deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e o senador Renan Calheiros
(PMDB/AL) à frente do Congresso Nacional (Foto: Reprodução)
Soma-se a isso o pacote de medidas impopulares com vista ao ajuste nas contas públicas. Não há outra fórmula senão um enrijecimento da base política no Congresso Nacional, justamente o espaço político para que o governo se segure para garantir as medidas necessárias ao ajuste fiscal e evite que se superdimensionem os ecos da oposição.

Pois bem, a inabilidade na articulação política do governo fez do Congresso Nacional um campo minado e perigoso. De maior aliado, o PMDB passou a ser uma pedra no sapato capaz de impedir ações essenciais para que o governo consiga cumprir o pacote de medidas econômicas.

O problema com os peemedebistas, que atingia a Câmara dos Deputados, se ampliou e chegou ao Senado. A devolução da Medida Provisória 669/2015, que reduz a desoneração na folha de pagamento das empresas, pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), foi a “cereja” no bolo de uma crise política, construída pela inabilidade política do atual governo. 

Neste caminho, foram sucessivos e graves erros nessa relação. Como o de lançar candidato a Câmara dos Deputados e ver uma amarga derrota para Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que chegou ao comando da Casa sem ter na conta nenhuma obrigação com o PT. Depois, a tentativa de isolar o PMDB, desidratando diversas legendas numa articulação para o surgimento de uma nova legenda, comandada por Kassab. Tentativa naufragada com o decisivo empurrão peemedebista.

As quedas de braços com o PMDB serviram até aqui para mostrar um “chavão antigo” e que muitos lamentam: “Não dá para governar sem o PMDB”.

Desmobilização

Após deixar a eleição numa disputa acirrada e com um potencial oposicionista, pronto para dar o grito, a política econômica adotada desmobilizou setores da base da esquerda – como os movimentos sociais -, mobilizados pelo discurso da campanha eleitoral de 2014. Justamente àqueles que polarizaram a campanha a favor da candidatura petista, oferecendo o contraponto à ortodoxia econômica.

É exatamente esse conjunto de medidas econômicas em busca do ajuste fiscal, o chamado “remédio amargo”, que ajuda a crescer a insatisfação popular e vitamine os discursos antigoverno.

O movimento nas ruas neste domingo trouxe propostas dispersas. Da insana ideia de “golpe” na democracia para estabelecimento de um regime ditatorial ao impeachment. Proposta essa não encampada pelo próprio PSDB, que prefere ver sangrar o governo e, consequentemente, o País. Sem os ajustes, a situação deteriorada da economia só piora e a população sente o reflexo da pior maneira.

De efeito prático o que se vê é o enfraquecimento do governo e a necessidade, agora ainda maior, de se recompor politicamente no Congresso Nacional. Não há outro caminho a não ser negociar com o PMDB de Renan e de Eduardo Cunha. A manifestação serviu, por ora, para aumentar a dependência do PMDB, mesmo que envolto na crise da Operação Lavajato. O protesto jogou Dilma no colo do PMDB. 

Alternativa possível


O retorno à Câmara Municipal dovereador Francisco Rodrigues da Cunha Neto (Prof. Chico/PDT) se tornou inevitável dentro da lógica eleitoral e da pretensão do parlamentar em lançar voos – quem sabe – ao próprio Executivo. Ironicamente, esse não seria o “caminho natural” para quem pretende projeção política rumo a 2016, tendo em vista a possibilidade de permanecer à frente de uma Pasta com apelo social expressivo. 
Prof. Chico retornou à Câmara Municipal de Alfenas após ocupar
a Secretaria Municipal de Habitação (Foto: Alessandro Emergente)
 

Em maio do ano passado, o então líder do Governo deixou o Legislativo em direção a Secretaria de Habitação e, no imaginário de quem observava, em busca da visibilidade política a ser oferecida por uma Pasta de apelo popular. 

No primeiro ano da atual gestão, ainda sob o comando de José Luiz Bruzadelli, a Secretaria de Habitação ofereceu os holofotes ao governo com a inauguração de dois conjuntos habitacionais: no Residencial Vale do Sol e no Jardim São Carlos. No total, 420 famílias comemoraram a oportunidade de saírem do aluguel. Embora os projetos tenham sido iniciados e articulados pelo governo anterior, é inegável o ganho político para quem inaugura. 

Passados os ventos da bonança política, o governo se aquietou e viu 2014 passar em branco. Sem inaugurações expressivas e sem novos projetos robustos. Somente, agora, início de 2015, o governo ensaia um polêmico projeto com a construção de mais 700 casas populares. A proposta ainda nem chegou a Câmara Municipal. Apenas a criação de Zonas Especiais deInteresse Social, que abre brecha para a iniciativa do governo. 

O fato é que, se nos dois primeiros anos, o governo apertou as contas, o que se esperava era, como estratégia política, começar a mostrar feitos próprios a partir da segunda metade da gestão. Mas a realidade tem caminhado longe disso.

O atual governo terminou a primeira metade do mandato alegando “crise financeira” com severos cortes no orçamento, incluindo demissões em setores sensíveis como a educação. Neste contexto, os investimentos continuam apenas no sonho dos mais otimistas. As inaugurações continuam sendo as obras articuladas na gestão anterior, o que não confere ao atual governo o rótulo pleno da realização.

Para piorar, o cenário macroeconômico não é dos mais animadores. A nova política econômica do governo federal, com redução dos gastos públicos, e o risco real de recessão são fatores que corrobam para uma previsão política negativa aos situacionistas.

Assim, defender o governo não é uma tarefa das mais populares, uma vez que cresce a insatisfação pela redução dos gastos públicos municipais na vida das pessoas – redução dos subsídios no Restaurante Popular, corte de despesas na saúde com medicamentos, diminuição de gastos sociais como “aluguel social” e demissões são alguns exemplos.

Sem recursos para investimentos, que dariam a visibilidade política necessária para “vitaminar” o pretenso candidato em 2016, não restou outra alternativa a não ser o retorno a Câmara. Pelo menos é possível se fazer ver em debates públicos e na mídia. O que não era o caminho natural acabou se tornando a alternativa mais viável.