Uma fala, exibida em rede nacional no final de
novembro, é a síntese de um pensamento e uma prática que,
historicamente, se apodera de nossa política. E, que encastelada nos
últimos anos, resolveu apresentar-se de maneira explícita, sem o
prudente receio de “rasgar” a nossa Constituição Federal.
Vamos ao fato: no dia 21 de novembro de 2016, a edição do Jornal
Nacional (TV Globo) trouxe uma reportagem sobre a reunião do presidente
Michel Temer (PMDB) com os integrantes do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social – o chamado “Conselhão”.
A reportagem fecha, como uma espécie de “coroa de flores” sintetizadora
da mensagem que se propõe valorizar, com o “conselho” de Nizan Guanaes,
empresário do setor de comunicação. Não é por acaso que são reservados
45 segundos a fala do empresário, a qual reproduzo, na íntegra, a
seguir:
“Já que o governo ainda não tem índices de popularidade altos,
aproveite, presidente. A popularidade é uma jaula. Ninguém faz coisas
contundentes com altos níveis de popularidade. Então, aproveite que o
senhor ainda não tem altos índices de popularidade e faça coisas
impopulares que serão necessárias e que vão desenhar este governo para
os próximos anos. Aproveite sua impopularidade. Tome medidas amargas.
Aliás, este é o grande desafio das democracias do mundo. Como fazer
coisas impopulares?” Confira aqui
Ora, ao desafiar a opinião popular e propor que o poder político seja
utilizado como um "trator", o representante das forças econômicas
demonstra o mais puro pensamento aristocrático. Expõe o que costuma-se
camuflar: o desprezo pela massa e a sua condição de agente ativo no
processo democrático. As vozes das ruas devem, agora, ser ignoradas.
O discurso revela inversão de valores à medida que popularidade torna-se
“jaula” (nas palavras de Guanaes), elemento restritivo das ações que
atendem aos interesses da elite econômica. Nada mais reacionário do que
defender a impopularidade como virtude para que se enfrente o desejo da
massa – fazendo valer a força se necessário.
A “demonização” de governos populares na América Latina – facilmente
tachados como populistas – tornou-se recorrente em parte significativa
da mídia hegemônica, reprodutora do pensamento liberal e aristocrático.
Se recorrermos a nossa história encontraremos a figura de Getúlio Vargas
como ápice desse enfrentamento.
Nem mesmo teorias reducionistas quanto a participação popular são
capazes de abrigar, sem margens às contestações, a legitimidade do poder
político do atual governo. O sociólogo alemão Joseph Schumpeter, por
exemplo, rompeu com a ideia de democracia como soberania popular,
reduzindo a participação das massas na política ao ato de produção de
governos (resumindo-se ao voto).
É preciso enfatizar os questionamentos quanto a legitimidade do atual
governo por parte significativa da sociedade – não somente as correntes
ideológicas, mas sobretudo o acolhimento dessa tese por figuras que são
ícones no meio jurídico. O ex-ministro Joaquim Barbosa, do STF (Supremo
Tribunal Federal), é um dos críticos dessa legitimidade. (Clique aqui e leia)
Não se pretende aqui fechar essa discussão em particular com um
raciocínio raso, mas demonstrar que a impopularidade, associada a
ausência de um consenso jurídico em meio a "trovoadas" de incertezas,
seriam elementos mais que satisfatórios para que o zelo pela democracia
prevalecesse e fosse condição indispensável para que a força econômica
não atropelasse a soberania popular.
Para além do pensamento do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, para
qual a democracia só se efetiva com a participação direta dos cidadãos, a
nossa Constituição Federal resguarda, em seu artigo 1˚ (parágrafo
único), que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Ou seja, a soberania popular não pode ser apenas instrumento de retórica
e extirpada a partir de interesses econômicos classistas e
aristocráticos. Em uma democracia, não cabe sobreposição do poder
econômico sobre a vontade popular como forma de impor uma verdade que
não é absoluta. Se a prática aristocrática sobrepor a soberania popular
estaremos, por consequência, rasgando a nossa Constituição.
Este artigo foi publicado no portal de notícias Alfenas Hoje. Confira aqui!
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