domingo, 31 de março de 2019

Sim, senhor!

As decisões recentes em relação a política externa colocam em relevância a teoria de Florestan Fernandes presente em “A Revolução Burguesa no Brasil”, publicado pela primeira vez em 1975. O sociólogo, resgatando a nossa trajetória histórica desde a abolição da escravidão, em 1888, e a proclamação da nossa República, em 1889, aponta para um país cujo o seu desenvolvimento econômico ocorreu a partir de uma orientação periférica na ordem global.

Essa constatação empírica se mostra evidente na atualidade quando se analisa, por exemplo, a exportação cafeeira. Embora o nosso país lidere o volume de colheita e de exportações do grão verde, na hora de faturar com o commodity aparece a Alemanha (maior entreposto de grãos verdes de café do mundo). São eles que aparecem em segundo entre os responsáveis pela importação do café brasileiro. A Itália vem em seguida. É outra que também fatura com o commodity numa espécie de terceirização do ganho.

A constatação de um capitalismo periférico se percebe com o fato de que boa parte da importação dos grãos brasileiros pela Alemanha é revendida para outros países europeus e com valor bem superior. Poucos produtores brasileiros conseguem levar a sua marca para os consumidores da Europa. Alguns apontam a capacidade logística dos alemães como fator fundamental, o que também é verdade. Mas, sem querer entrar nos pormenores desse tipo de negócio, a intenção é exemplificar essa característica periférica da economia brasileira.   

A sociologia do vira-lata

As razões que nos levam a essa condição são, em parte, explicadas na obra de Florestan Fernandes. Mas as razões que nos mantém “presos” a essa ordem secundária têm recebido novas contribuições para interpretação. Embutir uma mentalidade de inferioridade numa sociologia do vira-lata ao longo do último século parece ter sido elemento fundamental, segundo o sociólogo Jessé de Souza, em seu polêmico livro “A elite do atraso”, publicado em 2017.

A charge ironiza relação de governo Bolsonaro com o de Trump (Imagem: Reprodução/Catraca Livre)



O fato é que essa germinação de ideias produziu frutos e chegaram ao poder. O atual governo tem mostrado a sua vitalidade para a subserviência ao imperialismo norte-americano numa ideologização chula, sem contrapesos. A entrada no Brasil de cidadãos dos Estados Unidos, da Austrália, do Canadá e do Japão sem a necessidade de visto, medida decretada pelo presidente Jair Bolsonaro de forma unilateral (ou seja, sem a contrapartida desses países), é tão somente um ato que simboliza a mentalidade periférica que guia o centro do governo. Essa semana o Congresso se mobilizará para derrubar o decreto, mas não retirará o simbolismo servil do atual governo.

O conjunto de medidas já anunciadas (uso comercial do centro de lançamento espacial de Alcântara, no Maranhão, sem acesso a tecnologia estadunidense, por exemplo) ou ensaiadas pelo governo brasileiro aponta para uma política externa conduzida por acordos unilaterais em contraposição a multilateralidade, que colocava o país numa posição de maior protagonismo – ainda que diante de suas limitações enquanto força econômica e política – no contexto internacional.  

No retrovisor

Ao se apegar a um retrogradismo, o governo brasileiro abraça lutas inexistentes e tentar exorcizar fantasmas do passado. A guerra comercial entre Estados Unidos e China em nada tem a ver com os tempos de Guerra Fria. Como disse o jornalista Clovis Rossi, em seu artigo na Folha de S. Paulo no último dia 21 de março, a China, ao contrário da antiga União Soviética, não quer vender o comunismo ao mundo e sim fazer negócios.

Mais um capítulo dessa mentalidade servil poderá ser vista, em breve, com a tese lançada por Washington de que é preciso barrar o avanço da Huawei, a empresa chinesa líder no 5G, a nova fronteira da tecnologia da informação. O perigo vendido por Washington é que os chineses usarão seu sistema 5G como cavalo de Troia, pirateando informações sensíveis dos países que utilizarem sua tecnologia. Reino Unido, Alemanha, Índia e Emirados Árabes dão sinais que não comprarão a versão. Em relação ao governo brasileiro, que ainda vê fantasmas vermelhos em cada esquina, não me parece uma tarefa difícil deduzir uma resposta.

Se, no passado, muitos acreditavam numa hegemonia norte-americana diante do fim da polarização com a União Soviética, o que se viu com a globalização foi a ascensão de outros mercados dentro da lógica capitalista. A China foi capaz de se organizar dentro do jogo do capital para uma crescente polarização dentro das regras capitalistas – essa construção ainda está em curso.

Mas, enquanto os monstros do passado são alimentados, ganha fôlego um projeto de pouco autonomia e alinhamento incondicional a um dos lados da disputa capitalista. Com o risco, inclusive, de se aventurar em apoio logístico a empreitadas militares. O governo cumpre à risca a sua missão servil reforçando a cultura do “vira-lata” sem, ao menos, buscar contrapesos para explicar a sua escolha que não é pragmática.



Artigo publicado originalmente no portal de notícia Alfenas Hoje

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O papel do jornalismo em um cenário fluído

A sociedade pós-industrial, marcada por um caráter fluído das relações, tem provocado uma reflexão intensa sobre o reposicionamento das instituições e dos diferentes segmentos profissionais. Muito além da discussão sobre o fim ou não de plataformas tradicionais do jornalismo, o próprio papel social da imprensa nesse cenário fluído é alvo de análise.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman estruturou o conceito de modernidade líquida para descrever essa nova sociedade marcada pela fluidez e o aspecto volátil. O parâmetros concretos se diluem, criando novos padrões referenciais. É nesse cenário de incertezas que o jornalismo tenta se reconstruir.


O fortalecimento das redes sociais nos últimos anos tem provocado uma verdadeira revisão do papel da imprensa, ora retirando o seu protagonismo na disseminação da informação, ora colocando em xeque a sua própria legitimidade enquanto agente propagador.

Essa sociedade em rede, como definiu o sociólogo espanhol Manuel Castells, permite um modelo de contestação e de interatividade em que o consumidor de informação passivo deixou de existir. É nesse contexto que o sistema jornalístico linear e centralizado, característico do século XX, deu lugar a um modelo descentralizado de produção noticiosa.

Os desafios da prática

Mas qual é o papel do jornalista profissional e da imprensa diante dessa sociedade líquida? O pesquisador e jornalista Carlos Castilho define o jornalista como um especialista no manejo e contextualização de informações, dados e notícias. Essa definição ajuda a recolocar o profissional de imprensa como referência na divulgação da informação com qualidade e confiabilidade.
Se por um lado o aspecto fluído dessa nova sociedade em rede permite uma generalização da atividade, em que o consumo da informação se dá de formas múltiplas e de fontes amadoras, o processo jornalístico confere confiabilidade reposicionando o jornalismo enquanto elemento referencial para o consumo da informação.

Assim, muito além do perigoso campo do imediatismo, em que se concorre com agentes propagadores da informação a partir da ausência de padrões técnicos e científicos, a adoção dos critérios jornalísticos de apuração e tratamento ético/profissional do fato, em busca da credibilidade, se tornam artifícios fundamentais para a sobrevivência do jornalismo.

 Este artigo foi publicado pelo Observatório da Imprensa. Clique aqui e confira!